História da Igreja: A
Reforma Protestante
A Reforma
protestante, embora amplamente preparada, surgiu na história quase de repente;
parecia tratar-se, a princípio, de uma questão pessoal e puramente religiosa do
frade Martinho Lutero, mas, dado o clima em que ressoou, tomou vastas
proporções eclesiásticas e políticas, que ninguém imaginava. Infelizmente a
obra de Lutero não se tornou aquilo que, havia muito, o povo e os príncipes
cristãos esperavam a renovação da Igreja pela eliminação dos abusos, sem
alteração da fé e da constituição da Igreja; veio a ser uma revolução
eclesiástica e um cisma.
Lutero:
evolução das idéias
Martinho
Lutero nasceu aos 10/11/1483 em Eisleben (Sachsen). Teve infância dura,
sujeita, em casa e na escola, a disciplina severa. A partir de 1501, na
Universidade de Erfurt estudou a filosofia nominalista de Occam, com tendência
antimetafísica e relativista; tal sistema dissolvia a harmonia entre a ciência
e a fé, pois tinha as verdades da fé como irracionais ou impenetráveis à razão;
a Moral se fundaria unicamente na livre vontade de Deus.
Certa vez, a
caminho da Universidade (02/07/1505), foi quase fulminado por um raio; em
consequência, fez o voto de entrar no convento (Hilf, St. Anna, ich will ein
Mönch werden! – Ajuda, Santa Ana, quero tornar-me um monge!). Esta decisão era
fruto do temperamento escrupuloso e pessimista de Lutero, que receava o juízo
de, Deus sobre os seus pecados (Lutero muito se preocupava com a sua fraqueza e
os seus pecados, que o deixavam inquieto).
Em julho de
1505, a revelia do pai e dos amigos, Lutero entrou no convento dos Agostinianos
de Erfurt. Em 1507 foi ordenado presbítero, Em 1510 ou 1511 passou quatro
semanas em Roma, onde conheceu a vida da Cúria e a exuberância das devoções
populares. Isto tudo, porém: no momento não o impressionou muito nem abalou a
sua fidelidade à lgreja. Foi nomeado professor de S. Escritura em Wittenberg.
Vivia, porém, inquieto ao pensar na sua fragilidade moral e nos insondáveis
juízos de Deus; jejuava, praticava vigílias de oração, mas sem conseguir paz.
O contato
com as epístolas de S. Paulo (especialmente aos Romanos e aos Gálatas) foi-lhe
oferecendo uma solução: viu que não se devia importar tanto com aquilo que
fazia ou deixava de fazer, e precisava de ficar firme na fé confiança em Jesus
Salvador; afinal, dizia ele, é a fé, e não as obras boas, que salvam o homem.
Este foi totalmente corrompido pelo pecado original e aí pode senão pecar; o
livre arbítrio está vendido ao pecado; não se pode apelar para ele. De resto, a
concupiscência desregrada, que é o próprio pecado, é inextinguível no homem. Só
Ihe resta confiar (ter fé) nos méritos de Cristo, porque ninguém tem mérito
próprio. Quando Deus declara o homem justo ou reto, não Ihe está apagando os
pecados, mas apenas resolve não os imputar, cobrindo-os com o manto da justiça
ou da santidade de Cristo. Lutero baseava-se especialmente em Rm 1,17; GI
3,12.22 textos lidos é luz das obras de S. Agostinho, que se revelara
pessimista em relação a natureza humana (cf. capítulo 13).
Tal doutrina
passou a ser o “Evangelho” de Lutero. Implicava autêntica revolução dentro do
Cristianismo. Lutero havia de lhe associar outras teses, a saber: a rejeição
dos sacramentos, do sacerdócio ministerial, do sacrifício da Missa, da
hierarquia, enfim…, de tudo aquilo que fazia a vida da lgreja Católica.
As
indulgências
1) Todo pecado acarreta consigo a necessidade
da expiação depois de ter sido perdoado. Com outras palavras:
O pecado não
é somente a transgressão de uma lei, mas é a violação de uma ordem de coisas
estabelecida pelo Criador; é sempre um dano infligido tanto ao indivíduo que
peca, como à comunidade dos homens. Por conseguinte, para que haja plena
remissão do pecado, não somente é necessário que o pecador obtenha de Deus o
perdão, mas requer-se também que repare a ordem violada. Assim, por analogia,
quem rouba um relógio violando a ordem da propriedade, não precisa apenas de
pedir perdão a quem foi prejudicado, mas deve também restaurar a ordem ou
devolver o relógio ao respectivo proprietário A reparação da ordem há de ser
sempre dolorosa, pois significa mortificação do velho homem pecador ou das
concupiscências desregradas que o pecado só faz aguçar.
A própria S.
Escritura atesta tal doutrina. Por exemplo, Davi recebeu o perdão dos pecados
de homicídio e adultério mas teve que sofrer a pena de perder o filho do
adultério (cf. 2Sm 12,13 s). Moisés e Aarão foram privados de entrar na Terra
prometida, embora a sua culpa Ihes tenha sido perdoada (cf. Nm 20,12; 27,12-14;
Dt 34,4s). Ver também Tb 4,11s; Dn 4,24; JI 2,12s.
2) Consciente disto, a lgreja antiga ministrava
a reconciliação dos pecadores em duas fases. Sim, o pecador confessava seus
pecados a um ministro de Deus. Este não o absolvia imediatamente (cf. Jo
20,20-22), mas impunha-lhe uma satisfação adequada, correspondente é gravidade
das suas faltas; este exercício de penitência devia proporcionar ao cristão o
domínio sobre si, a vitória sobre as paixões e a liberdade interior. A
satisfação assim imposta, pode ser realmente medicinal, costumava ser penosa:
assim, por exemplo, uma quaresma de jejum, em que o penitente se vestia de
peles de animais (para praticar tal penitência, o cristão tinha que excitar
dentro de si um vivo amor a Deus e um profundo horror do pecado). Somente
depois de terminar a respectiva satisfação, era o pecador absolvido. Julgava-se
então que estava isento não apenas da culpa, mas também de toda expiação devida
aos seus pecados; estaria livre não só da culpa do pecado, mas também das
raízes e das consequências deste.
Esta prática
penitencial conservou-se até fins do século VI. Tornou-se, porém,
insustentável, pois exigia especiais condições de saúde e acarretava
consequências perigosas para todo o resto da vida de quem a ela se submetera.
Eis por que aos poucos foi sendo modificada.
3) No século IX a Igreja julgou oportuno
substituir certas obras penitenciais muito rigorosas por outras mais brandas; a
estas a Igreja associava os méritos satisfatórios de Cristo, num gesto de
indulgência. Tais obras foram chamadas “obras indulgenciadas”, porque
enriquecidas de indulgências: podiam ser assim indulgenciadas orações, esmolas,
peregrinações (…).
Está claro,
porém, que estas obras mais brandas enriquecidas pelos méritos de Cristo só
tinham valor satisfatório se fossem praticadas com as disposições interiores
que animavam os penitentes da lgreja antiga a prestar uma quarentena de jejum
ou outras obras rigorosas. Não bastava, pois, rezar uma oração ou dar uma
esmola para se libertar das consequências do pecado, mas era preciso fazê-Io
com o amor a Deus e o repúdio ao pecado que encorajavam os penitentes da Igreja
Antiga. Vê-se, pois, que era e é muito difícil ganhar indulgências.
Mais:
ninguém podia (ou pode) ganhar indulgência sem que tivesse (ou tenha) anteriormente
confessado as suas faltas e houvesse (ou haja) recebido o perdão das mesmas. A
instituição das indulgências não tinha em vista apagar os pecados, mas
contribuir (mediante a provocação de um ato de grande amor) para eliminar as
conseqüências ou os resquícios do pecado.
Por
conseguinte, a Igreja nunca vendeu o perdão dos pecados nem vendeu
indulgências. o perdão dos pecados sempre foi pré-requisito para as
indulgências. Quando a Igreja indulgenciava a prática de esmolas, não
tencionava dizer que o dinheiro produz efeitos mágicos, mas queria apenas
estimular a caridade ou as disposições íntimas do cristão para que conseguisse
libertar-se das escórias remanescentes do pecado. Não há dúvida, porém, de que
pregadores populares e muitos fiéis cristãos dos séculos XV e XVI usaram de
linguagem inadequada ou errônea ao falar de indulgências. Foi o que deu ocasião
aos protestos de Lutero e dos reformadores.
4) As indulgências podem ser adquiridas também
em favor das almas do purgatório. Estas precisam de se libertar das escórias
dos pecados com as quais deixaram a vida presente; para tanto, necessitam da
grata de Deus, que os fiéis viventes neste mundo podem solicitar mediante a
prática de boas obras indulgenciadas. Todos os fiéis que foram enxertados em
Cristo pelo Batismo e vivem em plena comunhão com a Igreja, constituem uma
grande família, solidária e unida em si pela caridade. Em consequência, os
méritos de uns redundam em benefício de outros; os atos satisfatórios que as
almas retas prestam a Deus, podem auxiliar a outros cristãos, que precisem de
expiar, seja aqui na terra, seja no purgatório.
Em outros termos: pelas nossas
preces, pelas nossas boas obras e pelos nossos atos de mortificação, unidos aos
méritos de Cristo, podemos ser úteis não só a nós mesmos, mas também aos nossos
irmãos, que devem prestar satisfação a Deus por seus pecados. esta
solidariedade que se chama “Comunhão dos Santos”. Esta expressão designa a
comunhão de bens espirituais ou de coisas santas segundo a qual vivem os filhos
da Igreja. “Uma alma que se eleva (que se enriquece de Deus), eleva o mundo
inteiro” (Elizabeth Leseur).
Eis como se
deve entender a prática das indulgências, até hoje recomendada pela S. Igreja,
mas frequentemente mal entendida.
Lutero e as
indulgências
Lutero era,
pois, professor de S. Escritura em Wittenberg, quando surgiu a questão das
indulgências.
A fim de
custear a construção da nova basílica de S. Pedro em Roma, Júlio II em 1507 e
Leão X em 1514 promulgaram indulgência plenária para qualquer cristão que
recebesse os sacramentos e desse esmola. Foi nomeado Comissário da indulgência
para grande parte da Alemanha em 1515 o jovem príncipe Alberto de Brandenburgo,
desde 1513 arcebispo de Magdeburgo e administrador do bispado de Halberstadt,
desde 1514 também arcebispo de Mogúncia. Alberto era homem frívolo e mundano;
contraíra uma dívida de 29.000 florins com os banqueiros Fugger de Augsburgo a
fim de pagar as taxas de vidas à Santa Sé por estar acumulando três bispados;
então, de acordo com os representantes papais, resolveu que metade das esmolas
indulgenciadas ficaria para a construção da basílica de São Pedro, enquanto a
outra metade serviria para saldar a dívida junto aos banqueiros.
Ora na
Alemanha já reinava prevenção contra as indulgências por causa de abusos de
oficiais eclesiásticos. O pregador de indulgências nomeado por Alberto, o
dominicano João Tetzel, incorria também ele nesses abusos: afirmava que, para
adquirir a indulgência em favor dos defuntos, bastava a esmola sem o estado de
graça do doador (o que era errôneo). Quando, certa vez, Tetzel perto de
Wittenberg pregava, Lutero resolveu insurgir-se contra o pregador: na tarde de
31/10/1517, à porta da igreja de Wittenberg afixou, conforme o costume das
disputas acadêmicas, uma lista de 95 teses em latim sobre as indulgências e
pontos conexos (a culpa, a pena, a penitência, o purgatório, o primado papal).
A intenção de Lutero era apenas a de combater abusos e por em clara luz a
doutrina ortodoxa; na realidade, porém, as suas teses significavam a rejeição
não somente das indulgências, mas também do ministério da lgreja em prol da
salvação dos homens. Entre outras coisas, o frade agostiniano afirmava:
1) O Papa só pode perdoar penas que ele mesmo,
conforme o seu juízo ou conforme as leis eclesiásticas, tenha imposto (tese 5);
2) As indulgências não podem ser aplicadas às almas
no purgatório (tese 8 a 29);
3) A verdadeira contrição, sem decreto de
indulgências, confere ao cristão plena remissão do pecado e da culpa (teses 36
e 37);
4) A Igreja hierárquica, na remissão das
culpas, toca apenas uma função declaratória, isto é, a Igreja apenas pode
reconhecer que o penitente já foi diretamente perdoado por Deus no seu íntimo
em virtude do seu arrependimento; Ela não transmite o perdão de Deus (teses 6 e
7);
5) Lutero negava o tesouro de graças de Cristo
e dos Santos (o assim chamado “tesouro da lgreja”), que é o pressuposto da
doutrina das indulgências (tese 58).
Nesta lista
de Wittenberg, não aparece a tese da fé fiducial (fé-confiança, mediante a qual
o cristão seria salvo), mas ocorre um conceito equivalente ao da penitência
meramente subjetiva; a contrição pessoal substituiria a Penitência sacramental;
a mediação de Igreja como Sacramento primordial era posta de lado, em benefício
de uma atitude meramente subjetiva do cristão diante de Deus. A Reforma protestante
se achava toda em gérmen na atitude e nas teses de Lutero.
BREVE POSTAREMOS MAIS SOBRE O TEMA...
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